Páginas

domingo, 12 de junho de 2011

O Alvo (Anderson Ferreira)

O Alvo 

O Homem senta e na sua imensurável fadiga contempla do seu templo sua praia. Na sua imaginação catastrófica percebe o movimento continuo das ondas que vêm e vão, assim como peixes turistas, peixes ambulantes, peixes parasitas, dezenas e dezenas de cardumes enlatados com itinerário, compromissos e muitos, oriundos das águas frias do Norte. Dali, não sai, assustado e extático percebe aquela agitação secundária, o solitário sol que queima o mar negro e emborrachado, o burburinho das falas que trazem a voz do dia, sirenes, buzinas, prédios que espiam e tubarões que espreitam. Quiosques fugitivos do descaso invadem toda a imensidão da praia, naquele mormaço sufocante de poeira cinza que paira no ar marejando os olhos do náufrago. Em meio a sua alucinação exótica melindra-se com a obsoleta natureza onde reinam as pombas e alguns peixes que buscam oxigênio.
Há uma voz que clama Deus, e diz ser o mensageiro da sua palavra, a outra mais além que grita: Pimentas/Leblon! Pimentas/ Leblon! E cercado por imensas ilhas de concreto o homem sente-se só, porém, outra voz chama:  moço! Dois por um real, vai! Peixes que aprendem desde cedo que o maior algoz é a fome e sua pátria não oferece o seio resumindo à ofertá-lhes o colo das lamentações.
Talvez seja o rádio que reclama meio-dia, talvez sejam conversas paralelas de cardumes sexagenários que matam o tempo para o tempo não matá-los, talvez o homem não escutou voz alguma, nem mesmo a voz do dever, talvez seja um peixe desses metidos a pensadores. Nada importa, importa que ele continua ali, exorbitado dos compromissos levando nas costa o peso do mundo e cocô de passarinhos que o alvejam sem piedade, pois na vida quem nada faz é sempre o alvo.



Anderson Ferreira

Crônica publicada em Palavra em Prisma
(Guarulhos)

Nenhum comentário:

Postar um comentário